alfabeto

28.7.06

Josiane M. Bosqueiro


Noturnos


I

Duas gigantescas pernas de calça jeans
esta avenida de mão dupla
meu de agora caminho.
Andandovejo a luz dos postes da cpfl comporem
sobre a avenida-jeans
na noite-asfalto
rasgos

semelhantes aos da minha calça surrada.

II

Penso: seguir o caminho-jeans
encontrar seu fim no corpo da noite
deitar sobre o corpo sentir a aspereza do corpo do asfalto
no fim solitário da noite-avenida.

III

Pelo caminho passa um carro escuro
e
a dúvida:
seria ele azul-marinho cor da noite minha ou preto?
Escura noite e escuro carro
concluo
porém coberto por florzinhas amarelas
estrelas cadentes dos ipês da avenida Roxo Moreira
sobre o teto

— estrelas num céu passageiro
em direção ao corpo da noite.

IV

Uns goles e me deito. Então
noite, uísque, chão.
Penso:
flores caíram sobre o teto apressado do carro
e com tanta vontade e pressa
as estrelas cadentes quiseram viajar de carona
apressadas que são, como o automóvel
as auto-florzinhas-móveis

que pintaram sem querer

borrões de uma Noite Estrelada
um quê de Van Gogh
ao pincel do velocímetro.

V

Abandono a tortuosidade
da vista embaçada
do borrão da emoção
doente
e da bebida

Levanto-me
e caminho

retamente.

VI

Sorvo o azul inquieto da noite
piso sobre a avenida deixando para
trás decisões
(reta é a avenida
não eu) e
entre linha e oscilação
me decido pelo caminho
da emoção.

VII

Dirijo meus passos
solitariamente
— enquanto minhas pernas permitirem
e ainda sorrindo irei —
ao asfalto-mistério:

O corpo da noite.



leia mais Josiane aqui.


20.7.06

Um breve retorno à letra I ou um vôo até o W:


África


Ela ia à catedral da música africana

Ambiente escuro, misterioso
Mesas vermelhas, balcão ao fundo
Pista à entrada com conjunto ao vivo
Rui era o vocalista.

Chegava com amigos
Dirigia-se ao balcão
Onde estava o "primo"
Seu "guarda-costas"
Pois era habitue

Começava a música
Dirigiam-se para a pista
Ela ficava a um canto
Delirava ver os negros dançar
De repente
Vinha um convidá-la
Timidamente ela sorria, aceitava
Deixava-se levar simplesmente
Embalada por aquela magia.

Um dia estava cansada
Um velho conhecido convidou-a
Juntou o corpo ao dele
Fechou os olhos
Ele agarrou-a com uma mão
A outra pousou-a na cabeça dela
Conta quem viu, que estiveram horas assim
A dançar,
Cada vez que ele mudava de passo
Ela deixava-se ir totalmente entregue

Quando a chamaram para ir embora
Ela acordou do sonho
Saiu apressada
Ele ficou especado no meio da pista.

Há quem diga que depois disso
Ela nunca mais lá voltou.


Isabel Cruz/Wind


leia mais Wind aqui.


7.7.06

João Silveira


3 x 3

olho o ar a claridade
que me rasga e cega.

cego
olho o ar
respirando em vagas
pulsações lentas de luz viva
e línguas celestes ardendo sobre o corpo.

o ar é fogo e luz.

olho o ar e não vejo
as minhas mãos
são reflexos brancos sob um sol branco.
as minhas mãos
perco-as, assustado,
por entre o brilho.

mergulho sobre o peito em esquinas e junções desarticuladas.
cubro-me.respiro sombra.

§

respiro
e penso poder tornar-me luz pura
num único feixe cruzando
janelas e olhos.

reinventando sóis.
me.
em sóis.

§

e se me ausento por vezes
projectado-me a partir do meu corpo erecto
lançando-me de encontro ao chão
derramado
derramando-me,

se o faço por vezes
é na esperança de me alargar
e estender,
líquido.

insubstância real.
inominável.


leia mais João aqui.