que seja o teu querer a exata medida do meu: somente amanhecer por saber que o gosto de nós ainda nos cobre por lençol e que todas as palavras com todas as suas curvas jamais descreveriam as minhas nas tuas.
Minha avó e minha mãe perdi-as de vista num grande armazém a fazer compras de Natal hoje trabalho eu mesma para o armazém que por sua vez tem tomado conta de mim uma avó e uma mãe foram-me entretanto devolvidas mas não eram bem as minhas ficámos porém umas com as outras para não arranjar complicações.
As vozes de todas as mulheres - mães, avós, irmãs e tias - que desde o início dos tempos existiram, entoavam baixinho um acalanto, enquanto, a despeito da vento, do frio, da chuva que caía, uma vida nova desabrochava, surgia. E a chamavam Letícia, que quer dizer alegria.
Impressão Digital Os meus olhos são uns olhos, e é com esses olhos uns que eu vejo no mundo escolhos, onde outros, com outros olhos, nao vêem escolhos nenhuns.
Quem diz escolhos, diz flores! De tudo o mesmo se diz! Onde uns vêem luto e dores, uns outros descobrem cores do mais formoso matiz.
Pelas ruas e estradas onde passa tanta gente, uns vêem pedras pisadas, mas outros gnomos e fadas num halo resplandecente!!
Inútil seguir vizinhos, querer ser depois ou ser antes. Cada um é seus caminhos! Onde Sancho vê moinhos, D.Quixote vê gigantes.
Vê moinhos? São moinhos! Vê gigantes? São gigantes!
Do pinheiro ao parapeito da varanda. Da varanda ao ninho no galho do pinheiro. Vai e volta. Vezes sem conta. Na tarde encoberta do sábado, um beija-flor - azul e pequenino -ensaia os primeiros vôos.
A mesa não é de madeira nem de mármore. Parece ser de mar. Da outra, os veios. Da última, as tábuas do naufrágio. O que se escreve nela não é no risco do horizonte e sim na linha e no limite da folha de papel pautado. E marca o tampo embaixo onde o tempo passa mas logo se apaga aos poucos.
Cançoneta Um colarzinho de contas no pescoço, as mãos sumindo num amplo regalo. Os olhos passeiam em torno distraídos e já não têm mais com que chorar.
A seda, que é quase violeta, faz o rosto parecer mais pálido. A franja, de cabelos tão lisinhos, já chega até quase as sobrancelhas.
Não se parece em nada com um vôo esse jeito lento de andar como se numa jangada pisasse e não nas pranchas firmes do assoalho.
A boca pálida, entreaberta, o fôlego cansado, ofegante... contra o peito treme o ramalhete deste encontro contigo que não houve.
O silêncio serve-se em copos pequeninos, de vidro vermelho, à mesa desse almoço, onde almoço só. E neles, vêm beber, sedentos de verão, os passarinhos.
Temporal. Tanto chove que o céu se faz rosado. Na rua, só carros e vento. Aqui dentro, um concerto de Mozart e um copo tinto de vinho. Além de um resto de sábado.
Uma noite de lua pálida e gerânios ele viria com boca e mãos incríveis tocar flauta no jardim. Estou no começo do meu desespero e só vejo dois caminhos: ou viro doida ou santa. Eu que rejeito e exprobo o que não for natal como sangue e veias descubro que estou chorando todo dia, os cabelos entristecidos, a pele assaltada de indecisão. Quando ele vier, porque é certo que vem, de que modo vou chegar ao balcão sem juventude? A lua, os gerânios e ele serão os mesmos - só a mulher entre as coisas envelhece. De que modo vou abrir a janela, se não for doida? Como a fecharei, se não for santa?
Acordar antes que nasça o sol: genética ou sina? Em qualquer dos casos, um incômodo.
Os pássaros cantam. O mundo dorme. O céu hesita em azulecer. E uma chuva fina relembra, a todo instante, que é inverno. Dia da padroeira: é feriado. E a meteorologia afirmou que vai chover...