Manuel Alegre
Naquele diaHavia dentro das palavrasmultidões a correr em cada imagempraças cheias de versos e versos cheios degente. Havia uma rua pela página acimae folhas e folhas pela rua. Ou talvez letras.Ou talvez rimas. Havia o teu rostona cidade. Ou talvez a cidade no teu rosto.Havia naquele dia o quese via e não se via. E só se ouviao que não seouvia.Era uma surda obsessivalitania. Ou talvezpoesia.
Mário Faustino
Carpe DiemQue faço deste dia, que me adora? Pegá-lo pela cauda, antes da hora Vermelha de furtar-se ao meu festim? Ou colocá-lo em música, em palavra, Ou gravá-lo na pedra, que o sol lavra? Força é guardá-lo em mim, que um dia assim Tremenda noite deixa se ela ao leito Da noite precedente o leva, feito Escravo dessa fêmea a quem fugira Por mim, por minha voz e minha lira.(Mas já de sombras vejo que se cobre Tão surdo ao sonho de ficar — tão nobre. Já nele a luz da lua — a morte — mora, De traição foi feito: vai-se embora.)