12.8.05

Um breve retorno à letra C:


Da Finitude


Leva dos meus olhos a noite que inda resta,
A última sessão do filme, o último a sair da festa,
A última parede erguida, o derradeiro altar,
A última cantiga feita para nos ninar,
Lava essa casa de tudo o que não presta,
Risca os meus livros, abre em mim uma fresta,
Por onde vaze o sangue que te vai nutrir,
O sangue, a tez vermelha, o batom, rubi.
Na ânsia de aliviar a dor,
Deita nessa grama e faz o sol se pôr,
Que eu vou dormir um pouco o que sobrar de ti.
Leva dos meus lábios a morte que se expande,
A água que me enche os olhos, há água onde quer que eu ande,
Há água que corrompe a pedra, a água te esculpe o luar,
A água no final do filme vai nos afogar,
Limpa esse corpo de tudo que inda cheira,
Machuca minha língua e, feito sexta-feira,
Faz de cada encontro o que nos entristece,
Os dentes cor de nada, e entre os dentes, preces,
Na hora de atiçar a dor,
Deita nessa grama e eu deixo o sol te pôr,
Enquanto eu amo aos poucos teu apodrecer.
Leva dos meus olhos a noite que começa,
Que tudo que termina é assim, sem muita pressa.


Celso Boaventura

leia mais Celso aqui.

Comentários:2

Anonymous Anônimo said...

Sinto-me honrado. Em excelente companhia, já vi.

Saudações do Cárcere

10:42 PM  
Anonymous Anônimo said...

Leva dos meus olhos a noite que começa,
Que tudo que termina é assim, sem muita pressa.

Tirar uma frase d'uma poesia parece tirar uma pérola d'um colar... Mas, não me contive. Toda a poesia me tocou, mas esta frase... transbordou!
Vou lá conhecer a casa de onde saem estas pérolas!
Bjus, Poetisa!

11:33 AM  

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