Lilian Maial
O Seio Esquerdo
Aconteceu.
Ninguém espera
E, na primavera,
Foi-se o seio esquerdo.
Foi-se o toque,
Ficou a sensação fantasma
Foi-se o alimento,
Ficou o vazio no peito.
Como ser mulher, sem o seio esquerdo?
Como ser mãe, sem a mama esquerda?
Como ser profissional, sem o outro par?
Como se olhar no espelho, nua?
O seio direito, encabulado,
Só e pendurado,
Emoldurando o luto
Do parceiro canhoto.
Está faltando o outro.
São dois,
Originalmente dois.
Há que ser dois.
Nunca mais seus dedos
Apertando a carne macia e rosada
Nunca mais sua boca
A brincar de trincar e arrepiar
Nunca mais a dança sensual
Dos pares no banho
E entre lençõis de cetim.
Há um imenso vazio
Bem maior que a mama
Que atinge camadas profundas
Da própria natureza fêmea.
Há a ausência constante
Lembrada todo o tempo
Pelo traço da cicatriz
Dessa ferida que não fecha.
Há a dor, os ductos, os lutos
Mágoa infiltrante, ingrata, infeliz
Dias vividos sem perceber
E para quê viver?
Olhos que nunca repararam
Agora recusam-se a olhar
Não tem remédio
Não tem escolha
Tem alopécia, náusea e dor
Tem quimioterapia
Tem agonia
Solidão de espinho e flor
Tão falso o enchimento
Disfarça a roupa
Como peruca da alma
Que dribla olhares piedosos
De mulher barbada de circo
Que extirpa seus próprios caroços.
Os dias arrastados, as horas contadas
Quando volta ao normal?
Quando se acorda do pesadelo?
Ou tentar esquecê-lo...
É tão desigual, tão caolha
Fica sem sentido, tão velha
Um robusto, imponente, desejável
Outro, um traço doente, indelével, lamentável.
Luta diária e desanimada
Para sobreviver — corpo sem jeito
Mulher sem peito, que cala o grito
Tempo finito, seio bonito
Que se foi.
leia mais Lilian aqui
Aconteceu.
Ninguém espera
E, na primavera,
Foi-se o seio esquerdo.
Foi-se o toque,
Ficou a sensação fantasma
Foi-se o alimento,
Ficou o vazio no peito.
Como ser mulher, sem o seio esquerdo?
Como ser mãe, sem a mama esquerda?
Como ser profissional, sem o outro par?
Como se olhar no espelho, nua?
O seio direito, encabulado,
Só e pendurado,
Emoldurando o luto
Do parceiro canhoto.
Está faltando o outro.
São dois,
Originalmente dois.
Há que ser dois.
Nunca mais seus dedos
Apertando a carne macia e rosada
Nunca mais sua boca
A brincar de trincar e arrepiar
Nunca mais a dança sensual
Dos pares no banho
E entre lençõis de cetim.
Há um imenso vazio
Bem maior que a mama
Que atinge camadas profundas
Da própria natureza fêmea.
Há a ausência constante
Lembrada todo o tempo
Pelo traço da cicatriz
Dessa ferida que não fecha.
Há a dor, os ductos, os lutos
Mágoa infiltrante, ingrata, infeliz
Dias vividos sem perceber
E para quê viver?
Olhos que nunca repararam
Agora recusam-se a olhar
Não tem remédio
Não tem escolha
Tem alopécia, náusea e dor
Tem quimioterapia
Tem agonia
Solidão de espinho e flor
Tão falso o enchimento
Disfarça a roupa
Como peruca da alma
Que dribla olhares piedosos
De mulher barbada de circo
Que extirpa seus próprios caroços.
Os dias arrastados, as horas contadas
Quando volta ao normal?
Quando se acorda do pesadelo?
Ou tentar esquecê-lo...
É tão desigual, tão caolha
Fica sem sentido, tão velha
Um robusto, imponente, desejável
Outro, um traço doente, indelével, lamentável.
Luta diária e desanimada
Para sobreviver — corpo sem jeito
Mulher sem peito, que cala o grito
Tempo finito, seio bonito
Que se foi.
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