Boris Pasternak
Aurora
Estavas por inteiro em meu destino.
Depois veio com a guerra o malefício,
e mais de ti não soube, oh desengano!,
sequer uma palavra, uma notícia.
Passou-se muito tempo, mas agora
a tua voz abriu minha ferida.
Leio tua palavra noite afora,
e venho de um desmaio para a vida.
Quero buscar no vigor matutino
a multidão: com ela confundir-me.
Estou pronto a disseminar ruínas,
pôr de joelhos a todos, inermes.
Eu desço apressadamente as escadas
e vejo ao meu redor ruas abertas,
e tanta neve cobrindo as calçadas,
como a primeira vez, nuas, desertas.
Se muitos bebem chá em salas claras,
outros seguem os bondes, apressados.
Dentro de alguns minutos, sem demora,
mal se conhece o rosto da cidade.
E tece o vento norte nos portais
uma teia de flocos condensada.
E, para não chegar tarde demais,
muitos deixam o chá pela metade.
Tamanho sofrimento me comove,
como se tanta dor em mim coubera,
pois também me dissolvo como a neve
e movo as sobrancelhas com a aurora.
Gente sem nome está junto de mim,
são árvores, meninos, sedentários.
Sou vencido por todos, pois assim
me reconheço pronto na vitória.
tradução: Marco Lucchesi
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